Ruben Aguilar
São diversos os embates que o Criacionismo, no epílogo do grande conflito, vem sofrendo através de concepções e falácias contrárias a veracidade do Gênesis, por instrumentos inspirados pelo inimigo do Deus Criador. Entre as idéias que anuviaram a fé de muitos professos criacionistas, sem abalar o próprio fundamento do Criacionismo, estão: no campo da Biologia, o Evolucionismo com suas diversas facetas desde a teoria da Seleção Natural de Charles Darwin até a Evolução Química de Oparim; rio campo da Teologia, a Hipótese Documentária que em relação ao Pentateuco, rejeita a autoria de Moisés, apontando o seu surgimento para a época do cativeiro Babilônico; e no campo da Interpretação Histórica, o princípio da dependência de textos, pelo qual a narrativa da Criação registrada no Gênesis, estaria na dependência de textos mesopotâmicos mais antigos que relatam o mesmo fato.
É inegável que o povo da Bíblia teve um estreito relacionamento social, político e até de origem com as civilizações mesopotâmicas. Abraão saiu de Ur dos Caldeus, os israelitas nunca negaram sua procedência mesopotâmica (Deut. 26:5); documentos arqueológicos encontrados em Mari confirmam que os primeiros Hebreus vieram á Palestina da região de Haran, a noroeste da Mesopotâmia. (1) Em tabletes antigos dessa região, encontra-se o nome da cidade do pai de Rebeca, o qual aparece como Nakhur. O profeta Jonas advertiu de uma iminente catástrofe aos habitantes de Nínive, sem contar com a miscigenação ocasionada pelos sucessivos cativeiros assírios e babilônicos que os filhos de Jacó sofreram. Mas o Gênesis, embora composto séculos após a elaboração dos tabletes cuneiformes sobre a criação do mundo, mio apresenta traços de dependência das cosmogonia mesopotâmicas, ressaltando, no entanto, a singularidade do seu relato.
Monoteísmo e Politeísmo
O aspecto mais relevante na singularidade da versão sobre a Criação no Gênesis, e a clara manifestação de um rígido monoteísmo, enquanto que o politeísmo caótico é característica di05 relatos míticos mesopotâmicos. Tem-se pensado que o monoteísmo é uma meta evolutiva a partir do politeísmo, e a idéia do "sincretismo" babilônico (2) observado principalmente no primeiro milênio AC daria unia razão valiosa para fundamenta-la. O mais específico exemplo sobre este tema, segundo Lambert, ocorre em hinos contendo a explicita referência de que um variado número de grandes deuses são hipóstases de um deus particular, como é o caso de Ninurta. (3)
No entanto, é mais forte o argumento de que o politeísmo e uma forma degenerada do monoteísmo. Por outra parte, uma idéia diferente do sincretismo ou da derivação monoteísta do primórdio politeísta, é apresentada pelo antropólogo alemão E. Jensen, citando Leu Frobenius, quando trata sobre a origem das religiões nos povos primitivos. Esse autor considera que todo povo, em uni momento da sua origem, sentiu o "ato cultural criador’ que deu lugar à formação religiosa no seio da comunidade primitiva, o que deve ter acontecido num momento de ‘‘comoção religiosa" do indivíduo diante do seu meio ambiente. (4) Essa "comoção religiosa" é difícil de se compreender, pois pode ser ocasionada como uma reação do homem projetada para os seres divinos ou inversamente pode ser uma manifestação de misericórdia que permite ao homem conhecer as coisas espirituais. Este ultimo fenômeno religioso e interpretado como revelação divina.
E nesta ordem de coisas que reside basicamente a diferença entre politeísmo mesopotâmico e monoteísmo israelita em torno da Criação e sobre uma base antropológica. A Bíblia expõe inúmeras vezes a comunicação divino-humana como uma manifestação de Deus, de revelar Seu caráter, Seus propósitos e Sua vontade aos homens. A Criação do Gênesis é singular porque expressa a primeira revelação do único Deus ao homem.
Os mitos mesopotâmicos, pelo contrário, são relatos que expressam sem reservas os poderes e fraquezas de deuses que lutam pela supremacia e são vítimas de paixões insidiosas. No controle do Universo está um panteon de seres antropomórficos, porém imortais e invisíveis que funcionam como uma assembléia. A lista de Shuruppak (Tell Farah) no centro da Babilônia, elaborado por volta de 2.600 AC, menciona 700 deuses e não há certeza, segundo Albright, de que estejam todos registrados. (5) A lista de divindades menos completa é a de Ur correspondente aos séculos XXIX e XXVIII AC, com apenas 40 nomes. (6)
Diferenças das Narrativas Cosmogônicas
A narrativa mesopotâmica da Criação esta contida no texto babilônico conhecido com o nome de Enûma Elis, título outorgado segundo o antigo costume de intitular uma obra com suas primeiras palavras. Foi descoberta ria biblioteca de Assurbanipal em Nínive, na segunda metade do século passado, e dado a conhecer pela primeira vez em 1876 por George Smith. Está distribuído em sete tabletes, e, segundo Jean Bottero, contém 1.100 versos escritos em forma de poema. (7)
O texto israelita sobre a Criação é encontrado na Bíblia da qual podem ser extraídas uma quatro versões, sendo duas no Gênesis, uma terceira no Salmo 104 e a quarta no livro de Jó.
Textos acadianos encontrados em Nínive, Assur e Kish, tem permitido completar o relato caldeu da Criação, ou seja, o Enûma Elis. As primeiras palavras desse relato podem ser traduzidas conforme uma recente versão de 1. Bottero: "Quando no alto os céus (ainda) não haviam sido nomeados... (8), e a seguir menciona os primeiros deuses do panteon mesopotâmico. Estas expressões caracterizam uma índole mítica e plenamente politeísta (9), que contrasta com a narração bíblica que começa com as palavras: "No principio criou Deus os céus...", uma manifesta proclama monoteísta. O relato do Gênesis procura destacar o único Deus como soberano Criador, único e transcendente, enquanto que a narração mesopotâmica exalta o deus chefe do panteon babilônico descrevendo como ele e sua cidade obtiveram supremacia em termos cosmológicos. (10)
O ato criador dá-se após a eliminação do caos. Para o relato mesopotâmico, o caso e representado por um monstro mitológico, que segundo D. Kidner é o oceano personificado e rival dos deuses. (11) No Gênesis aparece a expressão Tehom, que significa "abismo’, comparada com o Ugarítico thm que outorga o sentido de profundidade. (12) Gunkel comparou Tehom (abismo) do Gênesis com Tiamat (monstro marinho), a principal personificação babilônica. (13) No entanto, apesar da semelhança etimológica, Tehom não é derivada de Tiamat, pois esta palavra é um nome próprio de um ser personificado enquanto que Tehom é uma voz semítica comum, para identificar o abismo. Mais ainda, Tehom não é adversário de Deus ou empecilho para efetuar a obra de criação como é Tiamat diante do surgimento dos seres, já que como deusa-mãe, ameaça destruir a colônia de deuses celestiais. (14) O caos é dissipado no Gênesis diante da vontade suprema de Deus, enquanto no Enûma Elis é necessária uma batalha para eliminar o monstro mitológico que representa o caos. Surge, então, a figura destacada de Marduk, o deus principal do panteon babilônico.
Diante das ameaças de Tiamat, Marduk é solicitado para enfrentá-la em combate, proposta que é rejeitada até que a assembléia dos deuses o nomeiam rei e é coroado como tal. Uma vez coroado, Marduk demonstrou que era digno de exercer a soberania mediante sua vitória sobre o terrível monstro. Após destruir Tiamat em combate individual e tendo esquartejado seu corpo, Marduk procede a formar os céus e a Terra com suas partes. Este fato é contrastante com o que se registra no Gênesis sobre o poder criador de Deus. Neste relato é manifesta a noção de criação pela "palavra" de Deus, a qual dá uma idéia de total ausência de esforço na criação divina. Basta uma breve proclamação da vontade de Deus para que o mundo seja chamado à existência. (15)
Outro ponto de diferença entre os dois relatos, é que na versão mesopotâmica, o Universo é resultado da união de pares divinos, como é o caso de Apsu, progenitor dos céus e Terra, e Nummu-Tiamat, que deu a luz todos eles. (16) Este processo de união de divindades parece revelar o conceito de sexualidade, necessário nas mitologias mesopotâmicas, para originar a causa criadora. Israel, no entanto, sempre afastou inteiramente a idéia de sexo e de qualquer função criadora sexual a seu respeito. (17)
Ë notório também o sentido de redenção ou salvação existente no fato criador dentro do contexto das duas narrativas. Para o relato mitológico mesopotâmico, a criação foi um processo de salvação da colônia dos deuses ameaçados de destruição, enquanto que a Bíblia identifica a criação com a salvação do homem; tais os textos de Isaías 44:24 onde se lê: "teu redentor e teu criador", e Isaías 42:5 e 43:1 "Javé criou os céus... te criou e te formou." Na Bíblia, a Criação e a Redenção são consideradas como um único ato dramático da obra benéfica de Deus. (18)
Finalmente, no Enûma Elis Marduk, após ter formado o cosmos e o próprio homem para servirem aos deuses, estabelece o templo Esagila, na Babilônia, e prescreve os sacrifícios a serem oferecidos diariamente como banquetes para os deuses. Ele mesmo — Marduk — celebra a criação com um banquete para o qual convida toda a colônia de deuses. No Gênesis, Deus descansa com Suas criaturas no sétimo dia da Criação, outorgando bênção e promovendo a santidade que são qualidades do único e Poderoso Criador, destacadas no relato singular do Gênesis.
Referências:
1. Albright, William Foxwell, Frota the Stone Agi’ tu Christianity, lhe John Hopkins Press. Pág. 237.
2. Refere-se ao conceito antigo de que vários deuses fazem parte da figura anatômica de um deus principal.
3. Lambert, N. The Babilonian and Chaldean People, no livro People of Old Testament Times, de Wiseman, D. J., editor. Pág. 166.
4. Jensen, E. AD. Mito s Culto Entre Pueblos Primitivos. Fundo de Cultura Econômica, México. Pág. 12.
5. Albright, W. F. Op. Cit Pág. 190.
6. Finegan, Jack. Light From The Ancient Past, sol. 1, Prínceton Universitty Press. Pág. 45.
7. Buttéro, Jean. L'Epopee de la Creation, Document 79/5. Apostila oferecida no curso ministrado pelo autor ria USP. Out. 1985. Pág. 29.
8. Bottéro, 3. Op. Cit. Pág. 35.
9. Baez-Camargo, Gonzalo. Comentário Arqueológico de la Bíblia. Editorial Caribe. Costa Rica. Pág. 26.
10. Kitchen, K. A. Ancient Orient and Old Testament, Intervarsitv Press, Illinoís. Pág. 90.
11. Kidner, Derek. Gênesis, An Intordúction and Commentary, Tyndale Commentary, London, Pág. 42
12. Kitchen, K. A, lbid.
13. Citado por Yamauchi, Edwin. Las Escavacione.s Y ias Escrituras. Versión Castellana. CPB, El Pasu, Texas. Pág. 26.
14. Pixley, Jorge V. Pluralismo de Tradiciones Em La Religion Bíblica Ed. La Aurora, Buenos Aires. Pág. 57.
IS. Von Rad Gerhard. Old Testament Theologv, Eerdmans Pb. Co. Pág. 150.
16. Baez-Camargo, G. Ibid.
17. Von Rad, G. Op. Cit. Pág. 152.
18. Voo Rad, G. Op. Cit. Pág. 146.
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