10 de dezembro de 2008

As duas alianças e a graça

Renato Emir Oberg

Quando, de acordo com São Mateus 26:27 e 28, Jesus entregou o cálice da Santa Ceia para os Seus discípulos, fê-lo dizendo as seguintes palavras, assim redigidas na tradução Almeida Antiga: “Bebei dele todos porque isto é o Meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remis­são dos pecados.” Desta maneira de traduzir estes versículos resultou o nome “Novo Testamento”, que foi dado à segunda parte da Bíblia e, conseqüentemente, o de Ve­lho ou Antigo Testamento, dado à primeira. Na nota de rodapé desta tradução, em vez de “Novo Testamento”, consta a expressão “No­vo Concerto” que outras traduções substituem por “Nova Aliança”, termo que usaremos daqui por diante porque é o usado pela tradução Almeida Revista, a mais comum em nosso meio.

De qualquer maneira, o que aprendemos deste ensinamento de Jesus é que Ele veio estabelecer uma nova aliança com Seu povo na Terra, e se existe uma nova aliança é porque houve anteriormente uma antiga aliança entre Deus e Seu povo, fato que realmente aconteceu junto ao Monte Sinai, conforme podemos ler em Êxodo 19:5-8 e 24:6-8.

Explicando o assunto, São Paulo escreveu aos hebreus, dizendo-lhes que “quando Ele [Jesus] diz Nova [aliança], torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido, está prestes a desaparecer” (Heb. 8:13). Com isto, o apóstolo torna bem clara a verdade de que a nova aliança feita por Jesus Cristo, com Seu sangue derramado no Calvário, substituiu uma outra que foi chamada de antiga aliança e que deixou de existir nessa ocasião.

“De fato”, explica São Paulo, repetindo o que disse o profeta Jeremias: “Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, não segundo a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não continuaram na Minha aliança, e Eu não atentei para eles, diz o Senhor” (Heb. 8:8 e 9, e Jer. 31:31 e 32).

A que primeira ou antiga aliança se referem o apóstolo e o profeta? Vejamos como a Epístola aos He­breus explica este assunto. Vamos usar a tradução CBC, lembrando o que está escrito na respectiva nota de rodapé: “Testamento: a mesma palavra grega pode ser traduzida em português como ‘Testamento e como ‘Aliança’. Neste parágrafo, ela é empregada ora num sentido ora noutro.” A explicação dada por esta Carta é a seguinte: “Por isso Ele [Cristo] é Mediador do no­vo testamento. Pela Sua morte ex­piou os pecados.... Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador. Um testamento só entra em vigor de­pois da morte do testador.... Por esta razão, nem mesmo o primeiro testamento foi inaugurado sem uma efusão de sangue. Moisés, ao concluir a proclamação de todos os mandamentos da Lei, em presença de todo o povo reunido tomou o sangue dos touros e dos cabritos imolados... aspergiu com sangue, dizendo: Este é o sangue da aliança que Deus contraiu convosco. Heb. 9:15-20. (Ver Exo. 24:8.)

Está claro, pois, que na história do povo ou da Igreja de Deus na Terra existem duas alianças, sendo que a primeira, a antiga, foi celebrada junto ao Monte Sinai por ocasião da entrega dos Dez Man­damentos escritos em duas tábuas de pedra, e ratificada com sangue de animais. A segunda, a nova, foi ratificada “com sacrifícios a eles superiores” (v. 23), no Calvário, com o sangue do próprio Cristo, como já vimos em Mateus 26:27 e 28. A respeito desta nova aliança, está escrito o seguinte na Epístola aos Hebreus: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor. Nas suas mentes imprimi­rei as Minhas leis, também sobre os seus corações as inscreverei; e Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo.” Heb. 8:10.

Há três detalhes muito importantes que caracterizam estas duas alianças, e que são os seguintes: 1) Ambas as alianças foram ratificadas com sangue: a primeira, a antiga, com o sangue de animais; e a segunda, a nova, com o sangue do próprio Cristo; 2) em ambas as alianças o povo deve reconhecer o Senhor como seu Deus, e Deus, da Sua parte, aceita os que participam desta aliança como Seu povo peculiar na Terra (Exo. 19:5-8 e Heb. 8:10); e 3) em ambas, o documento básico é a lei de Deus a lei dos Dez Mandamentos que, na primeira aliança, na antiga, foi escrita em tábuas de pedra, e na segunda, na nova, é escrita nas mentes e corações dos que são o povo de Deus (Heb. 9:19 e 20; Exo. 24:8; Heb. 8:10 e Jer. 31:31-33). De acordo com estes três detalhes, quem quiser fazer parte da nova aliança, aquela que Cristo ratificou com Sua morte na cruz do Calvário, precisa: 1) aceitar o sangue de Cristo como penhor de sua redenção; 2) reconhecer a Deus como seu único Deus; 3) deixar que Deus escreva Sua lei, a lei dos Dez Mandamentos, no seu coração e na sua mente. Quem deixa de cumprir qualquer um destes três itens, rompe a aliança com Deus, tal co­mo fizeram os israelitas quando construíram seu bezerro de ouro, ato que indicava claramente que abandonavam o Senhor como seu Deus.

Consideraremos ainda um outro detalhe muito importante a respeito destas duas alianças: aquele que diz respeito à sua Antigüidade. A primeira aliança foi chamada de antiga por ter sido celebrada e ratificada nos tempos do Antigo Testamento, junto ao Monte Sinai, e a segunda, a nova, foi ratificada pelo próprio Cristo no Calvário, com Seu próprio sangue. Como pode­mos ver, a razão destes dois nomes, “antiga” e “nova” alianças, é apenas cronológica, isto é, são as­sim chamadas porque a antiga foi celebrada e ratificada antes, e a nova foi ratificada depois. Acontece, porém, que em Apocalipse 13:8 o Livro de Deus afirma que “o Cordeiro... foi morto desde a fun­dação do mundo”, sem dúvida por­que foi naquela ocasião que Cristo Se ofereceu para morrer em lugar do pecador. Desde então, portanto, Jesus já Se considerava “mor­to” em resultado de uma aliança que estava fazendo e cujos resulta­dos seriam eternos. Vendo o assunto sob este ângulo que, aliás, é o real, podemos dizer sem medo de errar que a nova aliança, embora tenha sido ratificada por Cristo apenas no Calvário, já tinha sido celebrada por Ele antes da funda­ção do mundo. Por isto, ela é anterior à antiga, que foi celebrada e ratificada bem mais tarde, junto ao Monte Sinai. E por isto que a Bíblia, em suas diferentes traduções, chama esta última aliança, a antiga, de “parábola”, “figura”, “alegoria , símbolo’’, etc., da nova, (Heb. 9:9), porque esta é que é a real. “Quando veio Cristo,... Ele” Se tornou “Mediador da nova aliança” (Heb. 9:11 e 15), isto é, Ele veio ratificar a aliança eterna celebrada por ocasião da fundação do mundo. E por isto que ela tornou “envelhecida” a primeira aliança (Heb. 8:13), a que tem o nome de antiga.

Resumindo, podemos dizer que Deus, na Sua onisciência, previu que o homem iria pecar, transgredindo Sua lei. E Jesus, já por oca­sião da fundação do mundo, ofereceu-Se para morrer em seu lugar, celebrando uma aliança eterna que ratificou no Calvário, quando mor­reu em lugar do homem e derramou ali o Seu sangue. Sendo este um assunto tão subjetivo, para ilustrá-lo, Deus celebrou com Seu povo a aliança do Sinai que, conseqüentemente, é apenas uma alego­ria, uma ilustração da eterna aliança que Deus fez com Seu povo, com Sua igreja, desde os tempos da fundação do mundo.

Além disto, fique bem claro e bem gravado na nossa memória o fato de que, de acordo com o con­texto em que é usada, a palavra “testamento” tem três sentidos bastante distintos um do outro, e que não devem nem podem ser confundidos. Os dois primeiros são os de “aliança” e “documento”, usados na Bíblia, e o terceiro lhe foi dado pelos homens quando se valeram desta palavra para identificar as duas partes em que está dividido o Livro de Deus, os dois Testamentos. Como dissemos estes três sentidos não devem e não podem ser confundidos, bastando, para isto, prestar um pouco mais de atenção quando surgir qualquer dificuldade.

Muitos cristãos há, porém, que, ou não prestam a atenção necessária nestes casos, ou procuram con­fundir o assunto, usando a palavra “Testamento” com sentido diverso do que o do contexto, apenas para tentar “provar” algo que não está escrito na Bíblia. O erro mais comum é o de confundir a expressão “Antigo Testamento” (livros da Bíblia) com o “antigo testamento” que significa “antiga aliança”. Ora, dizem eles, como a nova aliança, a que foi ratificada por Cristo no Calvário, fez desaparecer a antiga aliança, aquela que foi celebrada e ratificada no Sinai, e que era apenas uma ilustração da primeira, assim também o Novo Testamento (os livros da Bíblia) fez desaparecer o Antigo Testamento (livros da Bíblia), fazendo com que este não tenha mais valor. Evidentemente, isto não está correto. Existe, neste raciocínio, uma visível e proposital troca de sentidos, com o propósito de invalidar a lei dos Dez Mandamentos que está escrita na sua forma completa e integral apenas nos livros do Velho Testamento.



Fonte: Revista Adventista/ fevereiro de 1985, págs. 44 e 45.

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