Pedro Apolinário
O livro merece detido estudo pelo seu valor e pelo questionamento ao propósito do autor. Seu valor é inquestionável; se o primeiro lugar dentre os livros do Novo Testamento cabe a Romanos, o segundo certamente pertence a Hebreus.
Hebreus eram os judeus da Palestina que falavam aramaico, e os estudiosos afirmam que não constitui propriamente uma epístola, mas antes uma dissertação. “Hebreus começa como tese, prossegue como sermão e conclui como carta.”(1) Tem como objetivo principal mostrar aos judeus convertidos que o cristianismo é superior ao judaísmo. Ensina também que todos os símbolos e profecias do Antigo Testamento tiveram seu cumprimento em Cristo. Foi escrita para animar os cristãos que queriam voltar ao judaísmo, por estarem cansados de esperar a segunda vinda de Cristo e com medo de enfrentar as perseguições.
Quanto à autoria, há quatro posicionamentos:
1º) Seu autor é o apóstolo Paulo.
2º) Foi escrita por alguém que seguia a orientação de Paulo. Em outras palavras: Paulo apresentou as idéias e Lucas ou Apolo as redigiu com estilo próprio.
3º) Um dos seguintes autores a escreveu: Barnabé, Apoio, Priscila e Áquila, Clemente de Roma, Filipe, Judas, Lucas, Suas.
4º) Sendo a epístola anônima “só Deus sabe quem a escreveu na tradicional frase de Orígenes.
Autoria Paulina
Se é real que a autoria Paulina tem sido contestada com grande veemência, é também uma verdade irrefutável que muitos outros a têm defendido com não menos entusiasmo.
Desde o fim do segundo século, as Igrejas do Oriente, que falavam o grego, aceitaram sem discussão a autenticidade paulina, enquanto as Igrejas Ocidentais, ou latinas, só no final do quarto século é que a aceitaram como canônica e paulina. Após a harmonização do Oriente mil anos se passaram sem que ninguém duvidasse da autoria paulina.
Várias provas em favor de Paulo podem ser apresentadas:
1º) A estrutura mecânica da carta se assemelha a das cartas de Paulo - primeiro a discussão doutrinária, a seguir a exortação.
2º) Uma famosa coleção dos primeiros manuscritos de papiro do Egito (início do terceiro século), conhecida como Chester Beatty, traz .Hebreus entre as cartas paulinas.
3º) Os mais importantes manuscritos unciais do quarto século, Alefe, Alexandrino, Vaticano e Efraimita confirmam a autoria paulina.
4º) A maioria dos Pais da Igreja se posicionaram em favor de Paulo.
Cirilo declarou que Paulo nos legou 14 epístolas. João Crisóstomo a coloca no rol das cartas de Paulo.
Agostinho e Jerônimo advogaram ter sido escrita pelo Apóstolo dos Gentios.
Atanásio, a figura preeminente na fixação do cânon do Novo Testamento em 367 A.D., classificou-a entre as epístolas de Paulo. Eusébio, Gregório Nazianzeno, Ambrósio e Irineu seguiram a mesma trilha dos precedentes.
5º) Arthur W. Pink apresenta duas provas:
“Embora Paulo fosse o Apóstolo dos Gentios (Rom. 11:13), o livro de Atos confirma que seu ministério também era extensivo aos filhos de Israel (Atos 9:15). Após escrever aos gentios, ele redigiu a Epístola aos hebreus.
“Pedro escreveu suas duas cartas a judeus salvos da Dispersão (1 Ped. 1:1; II Ped. 3:1). Na segunda (3:15) afirma que o irmão Paulo, de acordo com a sabedoria que Deus lhe dera tinha escrito para eles. O escrito sem dúvida alguma é Hebreus." (2) Se a carta escrita por Paulo não é Hebreus, onde ela se encontra?
6º) O Comentário Adventista afirma:
“Embora tenham sido apresentados fortes argumentos contra a autoria de Paulo, esses argumentos não são suficientes para desfazer a crença tradicional de que Paulo é o autor do livro de Hebreus.”
Faz a seguir duas perguntas que nos devem levar à reflexão:
“Se os líderes da Igreja primitiva eram tão poucos, qual deles teria condições de apresentar argumentos tão profundos como os encontrados em Hebreus?
“Como um cristão possuindo a profundidade teológica e o raciocínio lógico necessário para produzir obra igual a Hebreus poderia ter ficado no anonimato?" (3)
7º) Estudiosos como Westcott notaram íntima relação entre a Cristologia de Hebreus e a de Paulo.
a) Cristo o Criador de todas as coisas (Heb. 1:1 e2eCol. 1:16 e 17; 1 Cor. 8:6).
b) A humilhação e a exaltação de Cristo são comuns em Hebreus (2:9) e em Paulo (1 Cor. 8:9; Filip. 2:7 e 8).
c) O termo mediador é característico de Paulo (compare Heb. 8:6 com Gál. 3:19 e 20).
d) Cristo assentado à direita de Deus, coroado de glória e honra, sujeitando todas as coisas sob Seus pés (Heb. 2:7 e 8 identifica-se com Efés. 1:19-23).
E) A morte de Cristo é representada como sacrifício pelo pecado. A leitura de Hebreus 7 a 10 e as declarações de Paulo (Rom. 3:22-26 e 1 Cor. 5:7) comprovam a afirmativa.
g) A superioridade do cristianismo sobre o judaísmo é a nota tônica de Hebreus e das cartas de Paulo (a leitura de Hebreus e II Cor. 3:6-18; Gál. 3:23-25; 4:1-9 dissipa qualquer dúvida).
h) A doutrina da justificação pela fé é inegavelmente paulina (veja Heb. 10:38; 11:7; Rom. 1:17; 4:25 5:1; Gál. 3:11).
8º) Hebreus e Paulo comparam os cristãos a meninos necessitado de leite para crescer (Heb. 5:12 13; e 1 Cor. 3:1 e 2).
9º) Moses Stuart, que dedicou mais de cem páginas de seu comentário em defesa de Paulo, mostra as semelhanças de palavras e frases em Hebreus e nas cartas paulinas:
a)”... se Deus permitir” (Heb 6:3) e ... se o Senhor o permitir’ (1 Cor. 16:7).
b) “Tu és Meu Filho, Eu hoje te gerei” (Heb. 1:5 e Atos 13:33).
c)”... a descendência de Abraão” (Heb. 2:16).
“Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão” (Gál. 3:7).
d) A palavra de Deus comparada a espada é usada apenas por Paulo (Heb. 4:12 e Efés. 6:17).
e) O Deus da paz aparece em Hebreus 13:20; Romanos 15:33 e 1 Tessalonicenses 5:23. (4)
10º) O término de Hebreus é idêntico ao das cartas paulinas:
a) Pede orações (Heb. 13:18; Rom. 15:30).
b) Saudações pessoais (Heb. 13:24; Rom. 16:21-24; 1 Cor. 16:19-21).
c) O desejo de que a graça de Cristo esteja com todos (compare Heb. 13:25 com II Cor. 13:13; Gál.
6:18; Efés. 6:24; Filip. 4:23; Col. 6:21; Tito 3:15).
11º) A referência à prisão com cadeias de Hebreus 10:34 é semelhante a Efésios 6:20.
12º) A saudação dos irmãos da Itália (Heb. 13:24) e a sugestão de que o autor estava preso nesse mesmo país (Heb. 13:23) sugerem ser Paulo o autor.
13º) A referência a Timóteo ter sido libertado da prisão e o desejo de Paulo de viajar com ele (Heb. 13:23) é uma das evidências inegáveis da autoria paulina.
Paulo sentia prazer na companhia de Timóteo (II Tim. 4:9) e carinhosamente o chama de irmão (Fil. 1). Pela Bíblia não sabemos que Timóteo tivesse sido companheiro de trabalho de nenhuma outra pessoa a não ser Paulo (II Cor. 1:1; Col. 1:1; 1 Tess. 3:2).
14º) Tanto Paulo como o autor de Hebreus falam do caráter elementar da lei cerimonial (Gál. 4:3;
Heb. 7:19), e de Cristo como o Eu da lei (Rom. 10:4; Heb. 10:4-7).
15º) A nítida semelhança de H breus 13:19 com Filemom 22 não pode ser contestada pelos que opõem à autoria paulina.
16º) O Espírito de Profecia menciona várias vezes a Paulo como autor de Hebreus:
“Conforme é usada na Bíblia, expressão ‘reino de Deus’ designa tanto o reino da graça como o da glória. O primeiro é apresentado por S. Paulo na epístola aos Hebreus" (5)
“O santuário, a que S. Paulo s refere, era o tabernáculo construído por Moisés, por ordem de Deus como a morada terrestre do Altíssimo." (6)
Em Patriarcas e Profetas, pág. 51 Testimonies, vol. 1, pág. 679; vol. pág. 651; vol. 7, págs. 79 e 80 há outros exemplos comprovatórios.
Argumentos Contra Paulo
1º) Todas as cartas paulinas s iniciam com seu nome, mas em Hebreus ele não aparece.
2º) O preâmbulo e o endereço com os quais inicia suas cartas es tão ausentes.
3º) Há sensíveis diferenças do estilo e de vocabulário entre a cartas de Paulo e Hebreus. Senão estilo mais apurado ele contrasta com a linguagem do apóstolo Paulo. O grego de Hebreus é mais clássico, mais polido e mais elegante que os demais escritos que ele nos legou.
4º) As citações do Antigo Testa mento são tiradas da Septuaginta enquanto Paulo as fazia direta. mente do hebraico.
5º) O autor de Hebreus (4:2) de. clara que o plano da salvação lhe foi comunicado pelos que o ouvi ram, enquanto Paulo (Gál. 1:11 e 12) afirma tê-lo recebido direta. mente de Deus.
6º) No Cânon Muratoriano (190 A.D.) Hebreus não aparece como sendo de Paulo.
Refutações
Várias razões têm sido apresentadas para a omissão do nome. Clemente de Alexandria explica a alta de assinatura do apóstolo, pelo receio de que seu nome afugentasse os leitores hebreus. Um guia judeu declarou a alguns turistas em Israel: “Paulo, enquanto judeu, era excelente pessoa, mas ao aceitar o cristianismo tornou-se indigno.” (7)
Russel Norman Champlin afirma que a idéia da ocultação do nome para não antagonizar os judeus é fraca por isso não merece nenhuma consideração. (8) Pedimos vênia para discordar do ilustre autor, porque este argumento é apresentado por insignes comentaristas. Mais uma citação além da de Clemente:
“O anonimato é eminentemente em favor da autoria de Paulo. A suspeita com que os judeus consideravam a Paulo e seus violentos sentimentos de ódio contra ele (Atos 21:21.11 Cor. 11:24. Filip. 3:2; 1 Tess. 2:15) seriam razões suficientes para que ao endereçar tão importante carta a seu próprio povo suprimisse seu nome.” (9)
Afirmar que Paulo não era covarde para assim agir é real, mas sua experiência e conhecimento do problema o aconselhavam a ser prudente e o adaptar-se às circunstâncias fazia parte do seu procedimento. (1 Cor. 9:20).
Clemente de Alexandria justifica as diferenças de estilo com outros escritos paulinos, por Hebreus ter sido escrito em aramaico por Paulo e traduzido para o grego por Lucas. (10) Calvino contestou esta afirmação com argumentos irrefutáveis.” (11)
Embora o processo de comparar estilos tenha sido usado na identificação de obras anônimas, os peritos na arte de escrever afirmam que estilo e vocabulário não são fatores decisivos na solução da autoria. Paulo escrevendo a autores diferentes usa vocabulário e estilo diferentes. Ao dirigir-se aos hebreus usa linguagem mais elevada do que ao escrever para os gentios, provando assim ter sido educado aos pés de Gamaliel.
Outros Autores
Os que negam a Paulo a autoria da epístola têm sugerido especialmente Barnabé, Apolo, Áquila e Priscila.
Barnabé: Tertuliano em 220 A.D. sugeriu a Barnabé como o autor. Julgava-se que como levita de Chipre (Atos 4:36) estava qualificado para esse mister. Se foi o autor, porque isso não se tornou conhecido nos tempos antigos? Nada existe em Hebreus que indique ser ele o autor.
Apolo: Matinho Lutero opondo-se a Paulo defendeu ter sido escrita por Apoio. A sugestão de Lutero foi aceita por outros reforma-dores e se projetou de tal maneira que no século 19 muitos eruditos protestantes rejeitaram completamente a autoria paulina. E inegável que Apoio, o eloqüente judeu de Alexandria e profundo conhecedor das Escrituras (Atos 18:24-28), estava capacitado para fazer esse trabalho, mas onde se encontram provas para tal afirmação? Onde estão outros escritos de sua lavra para estudos comparativos a favor ou contra ter sido ele o autor? Estudiosos da história do Texto Bíblico declaram que tal conjectura não passa de pura especulação, chamandonos ainda a atenção para o fato de que a Igreja de Alexandria nunca se referiu a ele como o autor da epístola.(12)
Áquila e Priscila: Harnack tornou-se ardoroso defensor deste casal, baseado em sua profunda cultura teológica (Atos 18:26) e por terem pertencido ao círculo paulino em Corinto e em Éfeso (II Tim. 4:19). Como no caso de Apoio, faltam evidências comprovatórias para a aceitação. Rejeitando a autoria paulina, alguns comentaristas sugeriam outras alternativas, porém, estas se mostraram mais vulneráveis do que aceitar a Paulo.
Conclusão
O presente trabalho não tem o objetivo de ser a última palavra ou dogmatizar a favor da autoria de Paulo, mas apenas fornecer subsídios para que o leitor se posicione corretamente diante do problema.
O estudo nos mostra que se é difícil chegar a uma conclusão satisfatória quanto ao problema da autoria da epístola, é também realidade inconteste que as evidências favorecem ao apóstolo Paulo. Expressando nos de outra maneira: uma avaliação serena dos argumentos favoráveis e contrários a Paulo nos levará a concluir de que lado se encontra o maior peso das evidências.
“Em geral, a opinião tradicional e multissecular, ainda hoje largamente admitida é a favor de Paulo.”(13)
Pode-se aceitar ou rejeitar os argumentos deste artigo, mas isto não invalida a preciosidade intrínseca das maravilhosas páginas inspiradas de Hebreus. E o melhor retrato que temos de Cristo nas Escrituras Sagradas.
Referências:
1. Nota da Bíblia vida Nova sobre Hebreus 1:1.
2. An Exposition of Hebrews, pág. 18.
3. Comentário Adventista, vol. 7. pág. 389.
4. Citado em Comentário Bíblico Vida Cristã, págs. 18 a 21, de Neil R. Ligihtfoot.
5. O Grande Conflito, pág. 347.
6. idem, pág. 411.
7. Declaração ouvida pelo autor deste artigo no dia 13/8/1975.
8. Veja O Novo Testamento interpretado Versículo por Versículo, vol. 5, pág. 463.
9. The Companion Bible —Notas introdutórias à Epístola aos Hebreus, pág. 1 .823.
10. Eusébio, História Eclesiástica. 6:14.
11. Veja Epístola a los Hehreos, de Juan Calvino, pág. 26.
12. Veja Tite Prohlenz of the Epistle to thc Hebrews, págs. 171 e 172, de T. W. Manson.
13.Manual Bíblico, de Henry H. Halley, pág. 570.
Fonte: Revista Adventista/ Março de 1988, págs. 13-15.
3 comentários:
Se a autoria do livro de hebreus não é identificada, a atuação do Espírito Santo é evidente, explicando quão importante foi para os hebreus essa carta é quão importante ela é para nosso tempo.
Boa noite, conforme a questão sobre a autoria da carta aos hebreus, prefiro ficar com a lógica. Paulo assina todas as suas epístolas é porque ñ assinaria o livro de hebreus, medo de ser perseguido, ñ tem lógica pois se existir alguém com coragem era ele. Então diante de prova tão concreta como o início de todas as epístolas com seu nome, pra mim é difícil aceitar q ele foi o escritor desta carta maravilhosa. Prefiro aceitar Apolo com seu escritor.apolo era judeu, natural de Alexandria, varão eloquente e poderoso nas escrituras.
Acredito que o motivo de não ser citado pela palavra de Deus,é porque Deus assim o quer,e temos que ser prudentes e aceitar o que Deus nos revela ou não.Jamais pregar algo que não temos discernimento e humildade para não nós sobrepor com altivez a verdade Bíblica.A palavra de Deus.
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