9 de dezembro de 2008

A irmã de Belsazar

As descobertas arqueológicas têm trazido à luz curiosas informações acerca da família real babilônica. Assim, a historicidade e aautenticidade do relato bíblico têm sido confirmadas. A pesquisa arqueológica na Mesopotâmia nos últimos cem anos não somente vindicou a historicidade de Belsazar e sua corregência com seu pai Nabonido, o último rei do Império Neo-Babilônico, mas projetou luz sobre outros membros desta notável família. Como resultado de estudos pacientes conhecemos hoje os avós de Belsazar, o príncipe Nabubalatsuiqbi da cidade de Harã e sua mulher AddaGuppi, bem como sua irmã, cujo nome oficial como sumo sacerdotisa do templo da Lua em Ur era BelsatiNannar.'Quando J. E. Taylor, cônsul britânico em Basra, fez uma escavação preliminar em Ur, em meados do século passado, descobriu um cilindro de argila coberto de uma inscrição, cujo pleno significado teve de aguardar o deciframento da escrita cuneiforme de Babilônia.

Poucos anos mais tarde, quando foi possível traduzir a inscrição, graças aos estudos de sábios como H. Rawlinson, E. Hincks, J. Oppert, e outros, soube-se que o cilindro continha uma inscrição de Nabonido que dizia como um eclipse da Lua tinha sido interpretado pelos astrólogos como significando que a filha de Nabonido devia tornar-se sumo sacerdotisa de Nannar, a divindade principal de Ur. Agora que sua filha devia ocupar o posto de sumo sacerdotisa, Nabonido sentiu-se constrangido a construir para ela um palácio digno de uma princesa.

Enquanto trabalhava nas ruínas de Ur, entre 1922 e 1934, Leonardo Woolley descobriu um grande palácio que datava do tempo em que Nabucodonosor e Nabonido fizeram grandes consertos nos templos que ainda existiam em Ur, alguns dos quais tinham sido fundados dois milênios antes. O arqueólogo inglês não só descobriu os alicerces desse enorme palácio, com mais de sessenta quartos, mas achou seu nome Egigpar estampado nos tijolos do assoalho. "Não pode haver dúvida", escreveu ele, "que o grande palácio desenterrado foi o da princesa, a irmã de Belsazar, que no livro de Daniel figura como o patrocinador da festa na qual a destruição de Babilônia foi predita pelo profeta."2Descobertas num santuário adjacente ao grande zigurate (templo em forma de torre) em Ur da Mesopotâmia esclarecem as atividades de sacerdotisas como a irmã de Belsazar. Numa sala Woolley descobriu um número de tabletes de argila do ti­po chamado "exercício de escola".

Esses eram diferentes dos milhares de tabletes ordinários de forma retangular que têm sido achados em diferentes arquivos reais, por terem a forma de discos chatos de argila. De um lado o professor escrevia uma sentença fácil, freqüentemente emprestada de um texto "clássico" bem conhecido, e o estudante depois de observá-lo virava o disco e tentava reproduzir a sentença da melhor maneira.Espalhados aqui e acolá pelo chão, foram encontrados além das cópias feitas por estudan­tes, fragmentos de outros "textos de escola", "pedaços de slabários com colunas de palavras todas começando com a mesma sílaba", e um fragmento de dicionário no qual estava estampado, "propriedade da classe de meninos". Esses achados mostram que as sacerdotisas mantinham uma escola no prédio do templo. E é até possível que a irmã de Belsazar tenha sido a diretora da escola durante algum tempo.

A tradição de escolas paroquiais ligadas a edifícios religiosos é com efeito antiga. Alguns séculos mais tarde, escolas seriam associadas com sinagogas judaicas e, mais tarde ainda, durante a Idade Média, com catedrais cristãs. Outra curiosidade veio à luz num quarto contíguo ao santuário acima mencionado. No meio do lixo que cobria o pavimento de tijolos achou-se uma pedra preta coberta de escrita, que demonstrou se tratar de uma pedra usada para marcar a fronteira que datava do tempo dos cassitas (1400 a.C.). Perto dela foi encontrado o fragmento de uma estátua de diorito que levava o nome de Dungi, que foi rei de Ur por volta de 2050 a.C. E para surpresa dos escavadores, encontrou-se a seguir a pedra de fundação de um rei da cidade de Laraa de cerca de 1700 a.C. A presença misteriosa dessas e outras relíquias achadas muito próximas umas das outras, sobre um pavimento de tijolos intactos, datado de 600 a.C, intrigou os escavadores.

O problema foi solucionado, porém, quando se descobriu por perto um objeto de barro na forma de um tambor contendo quatro colunas de escrita. Três colunas eram escritas na velha língua da Suméria, mas a quarta era na língua de Babilônia. Nessa última, o escriba explicava que as outras colunas eram cópias de tijolos encontrados nas ruínas de Ur, obra de BurSin rei de Ur cerca de 2000 a.C. A conclusão lógica foi que os escavadores tinham descoberto um pequeno "museu" de antiguidades organizado para o benefício dos visitantes do templo. Nas palavras de L. Woolley, "o quarto era um museu de antiguidades achadas no local mantido pela princesa BelsatiNannar (que nisto puxou por seu pai, um arqueólogo inteligente)".3Não menos interessante do que a irmã de Belsazar é a personalidade de sua avó AddaGuppi, de quem um longo esboço biográfico veio à luz quando o francês H.

Pognon levou a efeito investigação arqueológica em Eski-Harran em 1906. Essa localidade é a mesma Harã onde Abraão parou em sua viagem para Canaã, e à qual Jacó veio um século. mais tarde para achar uma esposa. Uma duplicata dessa inscrição, bem melhor preservada, foi encontrada por D. S. Rice, em 1956, enquanto examinava as pedras nas ruínas de uma velha mesquita em Harã.4 (Ë bem sabido que pedras e tijolos eram roubados de antigos edifícios, sem consideração por seu valor histórico, para serem usados de novo nos pavimentos ou paredes de edifícios mais recentes.)No estilo, o epitáfio de AddaGuppi parece-se com as auto­biografias esculpidas nas paredes dos túmulos de muitos altos funcionários do antigo Egito. Mas como essa prática não é atestada na Mesopotâmia, é mais provável que este longo panegírico foi inscrito numa pedra erigida no templo de Sin em Harã, do qual AddaGuppi era sumo sacerdotisa. Essa era a maneira como seu filho Nabonido queria que sua mãe fosse lembrada pela posteridade.

O epitáfio de AddaGuppi reza em parte: "Do tempo de Assur­banípal, rei da Assíria, até o nono ano de Nabonido, rei de Babilônia, o filho que gerei... 104 anos vivi na piedade que Sin, o rei dos deuses, plantou em meu coração. Minha vida foi boa (até o fim de minha vida), minha audição excelente, minhas mãos e meus pés eram sadios, minhas palavras bem escolhidas, o alimento e a bebida me eram agradáveis, minha saúde era boa e minha mente feliz. Vi meus tataranetos, até a quarta geração, em boa saúde e (assim) tive uma velhice cheia..."5Na luta contra os críticos, a Bíblia foi mais uma vez vindicada pela arqueologia. Não somente a historicidade de Belsazar afirmada no livro de Daniel foi autenticada, mas a arqueologia projetou uma luz interessante sobre toda a família. Os avós de Belsazar, Nabubalatsuiqbi e AddaGuppi, seu pai Nabonido, e sua irmã Belsat-Nannar, não são mais figuras obscuras de um passado esquecido, mas personalidades com traços bem definidos e claramente esculpidos nas páginas da história de Babilônia.

Referências:

1. Sir Leonard Wolley, Excavation at Ur (Londres: 1954), pág. 235; The Cambridge Ancient History, vol. III (Cambridge: 1954), pág. 221.

2. Wolley, op. Cit., pág. 235.

3. Idem, pág. 238.

4. C. J. Gadd, "The Harran Inscripton of Nabonidus", Anatolian Studies, vol. VIII, pág. 47 e seguintes.

5. Acient Near Eastern Texts, ed. J. B. Pritchard (Princeton: 1969), pág. 561.


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